Primeiras Impressões: Roger Scruton


O que Rosa Luxemburgo (1871-1919) – heroína e mártir dos movimentos de esquerda –, tem em comum com Adam Smith (1723-1790) – amplamente admirado pelos representantes dos movimentos da direita política? Além de ambos terem se dedicado ao estudo da Economia, claro!

A resposta é curiosa: ambos perceberam que não há sistema político e econômico que seja realmente bom sem que haja um desenvolvimento ético real que o acompanhe... Luxemburgo deixa isso suficientemente claro em seu livro Reforma ou Revolução? (1899), assim como Smith em seu Teoria dos Sentimentos Morais (1759), que antecedeu sua obra mais famosa, A Riqueza das Nações (1776). 

De um lado a história nos mostra como o desenvolvimento ético foi ignorado pelo comunismo bolchevique, que resultou no totalitarismo soviético  (e que foi criticado por Luxemburgo em A Revolução Russa, sua obra de 1918); de outro lado, é evidente como o capitalismo, levado a cabo pela razão instrumental, não trouxe todo o bem-estar de que a humanidade necessita e nele a tão almejada "liberdade" não passa da superfície mais rasa.

A direita pode argumentar que o capitalismo promoveu o desenvolvimento científico e tecnológico, o que possibilitou que hoje se tenha condições de vida melhores do que em qualquer outra época. É fato! Porém, a direita, convenientemente, “esquece” que tais condições só chegaram minimamente aos mais pobres porque eles lutaram por direitos e os conquistaram... Oras, são vários os autores, de Zola a Dostoyévsky, que descrevem as condições miseráveis de vida em que viveram os primeiros trabalhadores da indústria sem que seus “generosos empregadores" os amparassem por livre misericórdia. Historicamente se percebe que a tal "mão invisível" de Smith não funciona muito bem sem muitos empurrãozinhos. 

Mas, este texto não era sobre Roger Scruton (1944-2020)? Sim. Era e é… Não é preciso ler muitas páginas escritas por Scruton para perceber que ele foi um filósofo de fato. Quando ele se refere a obras filosóficas fica evidente, para quem as conhece, que Scruton realmente leu e sabe do que fala. Seus textos são bem fundamentados, bem escritos, bem argumentados e, até o momento não notei apelações falaciosas. Coisa rara quando se trata da direita!

Por hora, o que eu posso dizer contra Scruton é que ele erra quanto escolhe lado... Há erros e acertos de ambos os lados. Há seres humanos notáveis, tanto quanto há seres desprezíveis, de ambos os lados…E há construções teórica úteis de ambos os lados... É preciso superar a dicotomia Esquerda Futebol Clube versus Direita F.C.

Concordo com Scruton sobre a necessidade de se conservar as grandes conquistas da Humanidade. Mas, indo além do raciocínio binário, é preciso conservar, sim – as grandes conquistas do conhecimento humano e seus espaços de realização, como as universidades, os institutos de pesquisa, os museus, as bibliotecas, os hospitais, as instituições jurídicas, as instituições religiosas, certas normas e comportamento socialmente esperados, etc, etc. Porém, conservar não deve implicar, necessariamente, deixar de ir adiante também… Não é “isso ou aquilo” e sim “isso e mais aquilo”! 

Se não se pode abolir os meios de que se servem as trocas comerciais, também não é possível  substituir as noções de "riqueza" pelo de "suficiência"? São as subjetividades e os valores éticos que precisam ser transformados... Interessante que Scruton se posiciona contra a razão instrumental, alegando que é  o uso da razão colocada a serviço do lucro custe o que custar que distancia a atenção humana de suas necessidades afetivas mais intrínsecas, para o que lhe é supérfluo! São suas as palavras:

“ […] devemos restringir o ‘raciocínio instrumental’ que governa a vida do homo oeconomicus. Devemos dotar de amor e desejo as coisas às quais atribuímos um valor intrínseco, e não instrumental, de modo que, para nós, a busca dos meios possa cessar no lugar dos fins. É isso o que queremos dizer com comunidade: colocar o oikos de volta na oikonomia. E é disso que se trata o conservadorismo.” (Como Ser um Conservador)

Interessante porque é exatamente essa a postura dos filósofos da Escola de Frankfurt que, inclusive, recomendam que sua teoria crítica da sociedade seja periodicamente revista, reatualizada de acordo com o contexto social de diferentes épocas e a partir de pesquisas empíricas. Frankfurt não pregou e não prega dogmas marxistas! O problema da instrumentalização da razão pela "classe média", que não é totalmente burguesa e nem operária, é a principal constatação de Horkheimer, Adorno e Marcuse, sendo que este último, inclusive, propõe a restauração das relações dos homens com a natureza, tema de que Scruton vai tratar em seu Filosofia Verde

Ser conservador nos moldes de Scruton, e ser coerente, implica admitir que jogar fora as teorias porque quem tentou colocá-las em prática cometeu erros é agir em desserviço às conquistas da humanidade! Então, eu pergunto a quem interessa uma “guerra cultural” no estilo disputa de jogo de futebol? Não interessa tal rivalidade entre filósofos sérios; não interessa à sociedade como um todo! Antes interessa unir esforços para a construção de um futuro de paz e dignidade para todos.

A tal “guerra cultural” lembra o que dizia Paulo Freire sobre uma elite desejosa de tomar o lugar da outra. Na prática, nos dias que seguem, trata-se de estratégia de um grupo de ressentidos e gananciosos que desejam conquistar espaço nas academias e vender livro, mas que não conseguem fazer isso sem denegrir os esforços de outros. Trata-se de uma disputa comercial, como outra qualquer, em meio a jogos de interesses corporativos e políticos. O nome de Roger Scruton é frequentemente lembrado em meio a tais disputas cujas reais motivações ele mesmo renega em seus escritos. 


Indicações de Leitura

Adam Smith. Teoria dos Sentimentos Morais.

Max Horkheimer e Theodore Adorno.Indústria Cultural e Sociedade.

Roger Scruton. Como ser um Conservador.

Roger Scruton. Filosofia Verde.

Rosa Luxemburgo. Reforma ou Revolução?