Carta Aberta ao Presidente Jair Bolsonaro


Caro Sr. Presidente Jair Bolsonaro,

assisti à entrevista que o senhor concedeu ao JN e me senti bastante insatisfeita e incomodada. Na verdade, a mim o evento pareceu uma “conversa de comadres”, com perguntas fracas que não podia provocar respostas que acrescentassem nada de novo ou relevante.

Assim, minha próprias questões permanecem sem resposta e, tendo o Senhor recentemente se tornado um homem mais “disposto ao diálogo”, ouso elencar aqui algumas delas.

É de conhecimento geral que o Senhor é defensor do livre mercado e contra programas sociais. Porém, no seu governo, passamos por uma série de imprevistos desencadeados pela pandemia. Se formou todo um contexto em que eliminar programas sociais seria uma medida extremamente impopular e moralmente impraticável. Por consequência, o Senhor acabou por concordar com a concessão de um Auxílio Emergencial no valor inicial de R$ 150,00 a R$ 375,00 – valores esse que foram aumentado posteriormente por insistência do então Presidente da Câmara, o Deputado Rodrigo Maia, chegando a R$ 600,00, não é verdade? – e outros “benefícios” que mais tarde foram sendo disponibilizados.

Eu pergunto: O Senhor teria adotado a “política” de dizer que concede, mas fazer o possível para não conceder na prática?

Para ajudar a esclarecer a minha questão eu formulo outras.
O Auxílio Emergencial foi concedido por meio de um aplicativo para celulares que até hoje não funciona como deveria, apresentando os mais diversos problemas técnicos. Se o Senhor visitar a página do Google Play Store (https://play.google.com/store/apps/details?id=br.gov.caixa.tem) poderá constatar por meio das centenas e provavelmente milhares de comentários, que o aplicativo apresenta desempenho sofrível ainda hoje… Não é estranho que em uma época de tecnologia tão avançada o governo federal se sirva de uma tecnologia tão problemática?

E mais, é de conhecimento geral que a maior parte das pessoas a serem beneficiadas pelo AE se encontravam em situação financeira bastante delicada, muitos contando com aparelhos celulares primários e ou sem poder pagar pelo acesso à Internet. Por quê não houve empenho em desenvolver meios de pagamento do AE mais de acordo com a realidade tão precária dessas pessoas?

Outro “benefício”, o Vale Gás… Foi determinado que todas as famílias cadastradas junto ao CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) receberiam o VG… Mas, na realidade, quando não recebem, simplesmente não recebem... E os canais de comunicação disponíveis nada explicam sobre os motivos e não resolvem o problema.

No geral, se tem a impressão de que o governo federal propositalmente se serve de uma tecnologia “problemática” com a intenção de cria obstáculos para que o cidadão desista de seus direitos… Seria um “eu digo que faço enquanto passo a boiada para o projeto inicial de desmonte do Estado de bem-estar social”? Tal impressão seria errada, equivocada, Senhor Presidente?

Por outro lado, também é de conhecimento geral que o Senhor vem explicando a atual crise econômica como sendo consequência da pandemia. No seu entender, os brasileiros, aterrorizados pela "imprensa sensacionalista", optaram por ficar em casa e não trabalhar e por isso estamos em crise financeira. Pois bem, eu quero expor um caso emblemático e pedir a sua opinião.

É comum que se confunda a reclamação por direitos iguais com a constatação de que as pessoas são iguais. Obviamente que homens e mulheres pertencem à espécie Humana. Porém, não somos exatamente iguais em absoluto. Um exemplo: dois jovens que tomam contato com bebidas alcoólica. Pode ser que um deles desenvolva o hábito de beber socialmente e ocasionalmente durante toda uma longa vida, enquanto o outro desenvolva o alcoolismo (que é uma doença) e acabe por falecer por consequência das complicações do vício... Em outras palavras, algumas pessoas têm fragilidades e propensões a doenças que podem ou não se desenvolver se elas forem colocadas, ou não, em situação propícia ao desenvolvimento.

Ora, durante a pandemia, o Senhor dizia que os cidadãos não deviam ser “maricas” ou “vagabundos”, afinal de contas todos “iam morrer, mesmo”… Pois imagine o caso de um cidadão que, de acordo com a sua exortação, saia de casa todos os dias para trabalhar às 4:30 da madrugada, pegava um ônibus lotado de outros cidadãos medroso porém, ao mesmo tempo, igualmente não “maricas”. Aquele cidadão, sem saber, tinha propensão a uma doença nervosa chamada Transtorno Obsessivo Compulsivo e em situação limite, literalmente comprimido entre outros nos transportes coletivos, desenvolveu a doença… Uma vez doente, foi despedido pela empresa. Isolado devido às crises nervosa, passou cerca de um ano e meio sem tratamento médico (os médicos não faziam visita domiciliar devido à pandemia), há meio ano vem tendo seus pedidos de pagamento de seguro previdenciário (agora chamado de “benefício”) negados e hoje tem um prognóstico médico de doença incurável. Pois bem, o que o Senhor teria a dizer sobre essa situação, Senhor Presidente?

O Senhor não acha que, considerando as fragilidades humanas, seria providencial que os governos se guiassem por planejamentos que privilegiassem o princípios de precaução? Em outras palavras, não teria sido mais adequado permitir que os “maricas” permanecessem em rígida segurança, em paz, sem exortações, nos seus lares, durante 30 ou 60 dias, tempo necessário para que o governo federal organizasse o início das vacinações, ao contrário de esperar que milhares de pessoas morressem sem nem ao menos terem tido a chance de se vacinar?

No momento a imprensa noticia que o Brasil passa por uma nova epidemia, a epidemia das doenças mentais. Milhares de cidadãos com depressão, ansiedade… Por quê o Senhor acha que isso está acontecendo? O Senhor acha que depressão e ansiedade também são doenças de “maricas”, senhor Presidente?

Se o cidadão “vai morrer mesmo” e o governo federal os coloca em situação de risco desnecessário, e uma vez fragilizado pela doença lhe nega condições de subsistência, não está facilitando a sua morte? Em outra palavras, Senhor Presidente, o Senhor é, ou não é, um simpatizante da morte (o “especialista em matar”)? Em outras palavras, o Senhor é, ou não é, um genocida?

Mas, vamos mudar de assunto, Senhor Presidente… O Senhor se diz orgulhoso do país estar em condições de ser o “celeiro do mundo”. O Brasil vai alimentar o mundo inteiro! Que maravilha! Enquanto isso a imprensa noticia que há milhões de famílias brasileiras endividadas, em situação de risco alimentar e cidadãos passando fome... O Senhor não acha que alimentar o brasileiro deveria ser prioridade número um, Senhor Presidente? Por quê não há políticas para geração de empregos e renda, atualização do valor do salário mínimo de acordo com os índices de inflação, programas para alimentação com preços mais baratos, etc?

E a questão indígena… Pergunta simples e básica: por quê os índios não contam com ampla defesa do exército e da polícia federal para defendê-los daqueles que invadem suas terras? Qual a dificuldade em defender o povo indígena?

E, por último uma reflexão minha: a pior tragédia pelo qual o Brasil passou nos últimos anos, e continua passando, é conviver com a maldade, com a crueldade pura e simples… Tal convivência não fere só os corpos dos verdadeiros cristãos, fere suas almas... É muito difícil fazer com que as energia continuem canalizadas, dia após dia, para manter-se como alma cristã elevada que não deseja o mal de seus algozes, que não explode xingando de “canalhas” e outros nomes feios tanta gente nociva, mentirosa, manipuladora, sórdida que desfila pavoneando maldades… Quando a justiça dos homens não funciona muito bem, pois boa parte dela está cooptada, ainda há de se temer a justiça de Deus, que às vezes tarda mas nunca falha.

Atenciosamente!