Algoritmos: o imprevisto em ação


Para além de atingir os objetivos almejados por programadores e empresas, estariam os algoritmos contribuindo para a formação de inteligências artificiais
 que conspiram a favor do bem universal? 


Sempre estive na turma dos que pensam e falam mal dos algoritmos. Porém, a certa altura, passeia a senti-los como uma presença fantasmagórica. Penso em algo quando nem estou conectada na Internet e, dali a pouco, quando conecto, o meu pensamento, retratado em alguma “sugestão”, surge em uma tela. Eles pairam ao meu redor, sondando meus movimento. Me atravessando, sondam o funcionamento da minha mente, antecipando-se a seus processos. Assim, entram em contato com o que está guardado nas minhas memórias, separam o que tem importância do desnecessário, e me contam o que “percebem” por meio de imagens estáticas ou dinâmicas, sons, textos, gifs, links.

Sei que eles foram criados para reconhecer padrões de comportamento e interagir com seres humanos a partir das características comportamentais de cada indivíduo. Mas, hoje, em qual ponto exato de desenvolvimento eles se encontram? Mesmo quem os controla (ou pensa que controla) saberia dizer? Eles já estão adivinhando pensamentos?!

No meu livro, O Super-Homem Para o Além do Transumano, há um posfácio em que registrei meus agradecimento à plataforma Amazon pela publicação do meu livro. Sei que soa extremamente ingênuo. Mas, fiz questão de registrar esse meu momento de ingenuidade, até para, mais tarde, me reportar a ele e atualizar as transformações deste parecer inicial. É um modo de dizer “ok, reconheço que pode haver algo de bom nas big techs e seus algoritmos, e vamos ver no que isso vai dar”.

O que me motivou a fazer uma pós-graduação foi a possibilidade de contar com uma bolsa de estudos. Eu estava há anos assessorando pesquisas em ciências humanas. Perdi as contas de quantos artigos, monografias e dissertações ajudei a desenvolver, de quantos trabalhos acadêmicos revisei e ou formatei. Precisava de uma pausa, um período sabático dedica a mim e meus interesses. Queria redirecionar minhas atividades, dedicar atenção total às minhas próprias pesquisas e criações... E me dei muito mal! A bolsa de estudos não veio e precisei me desdobrar para dar conta de mestrado, trabalho, cuidados domésticos e questões familiares.

Por incrível que pareça foi a pandemia que me deu o tempo de que eu precisava. Não da melhor forma, claro. É que a inatividade das universidades e as restrições a atividades profissionais impactaram tremendamente o meu dia a dia, muito por consequência do impacto sofrido pelos meus clientes em potencial, o que acabou por me deixar com mais tempo livre e exigiu que eu me reposicionasse diante do mundo urgentemente. Fiquei com muito tempo livre e diante do desafio de me reinventar. De uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, o mesmo aconteceu com todos, em todo o mundo. E, a mim, os algoritmos ajudaram muito. Em vários momento eu os senti como amigos que mostravam caminhos e possibilidades, me conduzindo a entrar em um processo de construção, de reestruturação para uma nova vida.

Entendo que a intervenção algorítmica pode levar a um processo perigoso em que, mais do que nunca, as big techs estão direcionando as atenções das pessoas, conduzindo-as por caminhos que interessam a elas próprias, as bigs. Há de se ter cautela, claro… Mas, para mim, pelo menos dois momentos são muito especiais e não me lembro de qual veio antes, a sugestão do algoritmo do YouTube para a série Kung Fu, ou o direcionamento do algoritmo do Facebook para os cursos de encadernação.

Tenho uma relação de vida com Kung Fu, a série. Nos anos 70, eu era muito criança quando a televisão a transmitia. A ideia do mestre chinês e das chamas das velas nunca saiu da minha cabeça, bem como a ideia geral: as coisas nunca são apena o que percebemos de início, há uma sabedoria superior, há pessoas que caminham no sentido de alcançar tal sabedoria, algum mais adiante em posição de ensinar, outros mais atrás em posição de aprender… No filme, o personagem de David Carradine se lembra dos dias em que esteve em um mosteiro Shaolin e das lições de seus mestres… Bem, os algoritmos do YouTube me mostraram vídeos dessa série e me levaram a pensar no quanto aquelas imagens e falas influenciaram a formação da minha personalidade, culminando com a escolha, muito mais tarde, por estudar Filosofia. Tenho caminhando e aprendido, e é urgente registrar ou transmitir o que foi experienciado enquanto continuo aprendendo ainda mais e sempre. E, nesse ponto, a verdade do que sou, mais profundamente, em contato com a amplitude, a complexidade (ou mesmo com a simplicidade) de todas as coisas é fundamental.

Houve um momento em que estive perto de seguir, na prática, os caminhos da filosofia oriental, japonesa e chinesa. Na época, 1994, um namorado se interessava por artes marciais, mais especificamente pelo Ninjitsu e descobriu uma academia em Campinas. Estive lá algumas vezes e me encantei com o ambiente de profunda reverência à arte milenar dos Samurais. Tive aulas com o instrutor que se apresentou como Mestre Nogato, que me ensinou posturas básicas e aconselhou a nunca acreditar que eu não era capaz de fazer algo. Crenças negativas nos bloqueiam, nos impede de ir adiante, de atingir o máximo que podemos ser. Parei as aulas quando comecei a trabalhar na federação de futebol, em 1995. Pretendia me dedicar à adaptação ao novo trabalho e depois retornar à academia. Nunca retornei e é dos maiores arrependimentos da minha vida.

Em meio à pandemia as lembranças dos filmes vistos na infância (mas não compreendidos, claro) e das minha pequena aventuras com a academia de Barão Geraldo, combinadas com a filosofia de Nietzsche acentuaram ainda mais meu respeito pelo legado cultural da humanidade e pelos sentidos da passagem da espécie humana por essa Terra. Passagem na qual eu, como cada um, tenho meu papel único.

Outra inesperada contribuição do algoritmos foi quanto à encadernação… Nos anos 80, na Rua XV de Novembro, centro de São paulo, ao lado da primeira loja da Woodstock Discos, havia um ateliê de encadernação artesanal. Por uma ou duas vezes levei livros de um amigo para encadernar ali, em couro com douração. Na época considerei aprender a encadernar e atuar profissionalmente na área. Sempre foi uma ideia na gaveta, mas durante a pandemia passar da ideia à prática me pareceu uma evolução óbvia. Um curso de encadernação foi sugerido pelos algoritmos do Facebook e me levou a descobrir todo um universo povoado por fazedores de livros espalhados pelo mundo, ontem e hoje, e a encarar os livros como possibilidades artísticas quase que ilimitadas!

Assim, a pandemia e os algoritmos, me ajudaram a dar vários passos no sentido de conseguir aquilo que eu esperei que o período de pós-graduação me proporcionasse, ou seja, condições de me organizar e reestruturar para ter realmente uma carreira própria como pesquisadora, pensadora, realizadora, criadora (artista, talvez?). No processo de publicação do meu livro me senti realmente como criadora, em sentido nietzschiano, cuidando de todos os detalhes e aspectos da minha “obra de arte”, que mais do que um livro é a própria vida.

Se os algoritmos são perigosos, potencialmente nocivos, hoje sinto a esperança de que eles, de algum modo, estejam contribuindo para criar uma realidade em que cada um esteja mais de acordo com sua própria autenticidade. Assim como a mente humana é inescrutável, nunca será possível saber exatamente o que é a interioridade de uma Inteligência Artificial. Elas estão fadadas a serem campos  misteriosos de integrações cognitivas, onde entre o bem que se torna mau e o mau que se transforma em bem, há gradações de imprevisibilidades e continua havendo espaço para o diverso e para aquilo que encanta cada um.