Precisamos Falar Sobre Métodos de Pesquisa


Embora seja um tema complexo, é preciso jogar luz sobre a complexidade que envolve a pesquisa científica e seus métodos.


Primeiramente: a ciência NÃO é absoluta; ela tem falhas e erros. E isso é vastamente documentado pela Filosofia da Ciência, pela própria Ciência e sua história. Mas, vamos por partes. Afinal, a ciência é o melhor antídoto de que a humanidade dispõem para solucionar muitos dos seus problemas. A ciência é indispensável.

1. O que é “ciência”?
Dito de forma resumida e simplificada, é uma forma de conhecimento que é construído a partir da observação de coisas e acontecimentos, em condições e ambientes específicos, e da análise racional do que foi observado.

A observação científica, quando necessário, é feita com ajuda de instrumentos (microscópios, telescópios, etc.).  Análise racional é feita a partir da associação lógica de códigos de linguagem e de ideias umas com as outras (pensando a partir da parte para o todo, como dedução... ou... pensando a partir do todo para a parte, como indução)… São utilizados modelos matemáticos, medições, fórmulas estatísticas.

2. O que é “pesquisa científica”?
Dito de forma resumida e simplificada, é uma investigação em que um ou vários pesquisadores observam o comportamento de uma coisa (ou pessoa, ou animal) em um ambiente específico, em condições variadas. O pesquisador tem a intenção de compreender o objeto observado e o que acontece com ele, por quais motivos, em quais condições, se a situação pode ser replicada ou não, etc.).

Você se lembra daquela experiência que as crianças fazem na escola, colocando um grão de feijão em um algodãozinho úmido em ambiente iluminado? A coisa, cujo comportamento será observado é o grão de feijão. Condições ambientais são a umidade do algodão, o ambiente iluminado, a temperatura e ventilação “normais”.


O grão de feijão germinará, ou seja, dele nascerá um pequeno pé de feijão que se inclinará em direção à luz do sol. Essa é uma experiência científica muito básica. Se as condições forem alteradas, o comportamento do grão de feijão não será o mesmo. O pé de feijão demorará mais ou menos para nascer (conforme maior ou menor temperatura, mais ou menos luz e umidade), ou mesmo nem nascerá (algodão seco, ar seco, sem iluminação, etc).

E não basta fazer a experiência. É preciso analisar o comportamento que foi observado e escrever um relatório, documentando, detalhadamente, como a experiência foi realizada, com quais materiais; descrever as características da coisa observada; quais as condições em que a experiência foi realizada (qual temperatura, qual umidade do ar, quanto de umidade no algodão, etc). Qualquer um desses detalhes influi no comportamento da coisa observada (chamada de objeto ou fenômeno), nos resultados da pesquisa, na compreensão que terá o pesquisador/cientista após a análise ou o leitor do seu relatório.

E porque é importante escrever um relatório de pesquisa? Para comunicar os resultados da investigação… E mais: Para submeter os resultados à análise de outros, à crítica construtiva. Quanto maior o número de detalhes de um relatório de pesquisa, maior as oportunidades de refletir sobre os resultados, encontrar falhas e erros, e corrigi-los. Quanto mais um relatório é discutido por uma comunidade científica, mais pessoas estarão pensando sobre seus resultados.

Assim, em uma pesquisa séria, refletir sobre os resultados, encontrar falhas e erros de raciocínio e corrigir os resultados… É indispensável! Em outras palavras, é indispensável estar em condições de refletir amplamente, junto às pessoas que estudam os problemas envolvidos na experiência. 

3. Ora, o que é um “método”, mesmo?
Dito de forma resumida e simplificada, um método é um modo de se fazer algo, um jeito, um caminho.
“Metodologia de pesquisa científica”, então significa um conjunto de modos de se fazer pesquisa científica.

De maneira geral, os métodos de pesquisa são classificados como: a) pesquisa bibliográfica; b)pesquisa quantitativa; c) pesquisa qualitativa

A pesquisa quantitativa é aquela cujos resultados serão analisados matematicamente.
É separada uma amostra de pesquisa (do fenômeno a ser observada); a amostra é colocada em condições de experiência; os resultados da experiência são analisados por meio de contagem, medição e modelos matemáticos. É considerada a representatividade universal do observado e dos resultados da pesquisa ou, em outras palavras, se o comportamento observado é modelo que, quando repetido, se mantém como explicação válida.

A pesquisa qualitativa é realizada em um campo, uma área, um espaço de pesquisa, com a intenção de observar o comportamento dos seres que ali se encontram.

Por exemplo, analisar a violência nas escolas. É escolhida uma ou várias escolas, cujas características gerais serão consideradas; serão observadas crianças em determinada faixa etária e suas características individuais e sociais; os ambientes escolares (estrutura arquitetônica, disponibilidade dos espaços, equipamentos disponíveis, clima emocional do ambiente, etc.); as relações humanas entre os indivíduos que se encontram no espaço escolar pesquisado, entre outros fatores. 

Tanto a pesquisa quantitativa quanto qualitativa usam – como meio de coleta de informações a serem analisadas – formulários de pesquisa, realização de entrevistas, de discussões em grupos, etc.

E mais… Lembra dos relatórios de pesquisa? Eles também são feitos para documentar os resultados de pesquisas qualitativas e quantitativas. 

4. O que é uma pesquisa bibliográfica, mesmo?
Um pesquisador inicia uma pesquisa quanto procura respostas para um problema a ser revolvido. Na busca por soluções, ele primeiramente procura se informar sobre o que outros pesquisadores dizem sobre o problema. E fará isso consultando textos de estudiosos que relatam resultados de pesquisa. Note: nenhuma pesquisa começa do nada e se encerra em si mesma… Por isso se diz que o conhecimento é cumulativo, ou seja, a partir de um conhecimento se constrói outros conhecimentos, continuamente. Assim, o conhecimento científico está sempre em processo contínuo de construção, com pesquisadores de ontem e de hoje colaborando com suas descobertas e reflexões. 

E mais… O conhecimento científico não é a única forma de conhecimento… Carl Sagan explica isso muito bem em seu O Mundo Assombrado Por Demônios… Há outras formas de conhecer e vamos falar sobre isso em outro texto.

5. Cientificismo, o que é?
Cientificismo é um modo de pensar que afirma ser a ciência o único conhecimento válido. Ele ganhou força no século XIX, com o Positivismo de Auguste Comte e o Utilitarismo de John Stewart-Mill, principalmente.

O cientificismo é uma ideologia que promove a valorização da ciência como conhecimento superior a outros modos de conhecer. Defende que aquilo que não foi observado metodicamente, não foi testado ou medido não é conhecido o suficiente ou de modo adequado. Em outras palavras, é uma forma de preconceito que desvaloriza outras formas de conhecimento. Para o pensamento cientificista, a Filosofia e a Psicologia, por exemplo, não seriam modos de conhecimento válidos. Também o senso comum e as manifestações culturais baseadas em mitos, ritos e tradições, não têm valor como expressões de conhecimento, segundo o pensamento cientificista. E vamos falar sobre isso em outro texto.

6. Como diminuir erros de interpretação na reflexão sobre resultados de pesquisa
Frequentemente pesquisa bibliográfica, pesquisa qualitativa e quantitativas são combinadas quando se deseja investigar cientificamente um problema. Ou seja, partindo do desejo de identificar soluções possíveis para um problema, o investigador:

a) faz pesquisa bibliográfica, de maneira a informar-se sobre outras pesquisas anteriormente realizadas;
b) faz pesquisa de campo, usando formulários, entrevistas e outros métodos, procurando por novas informações;
c) analisa os resultados de pesquisa quantitativamente e qualitativamente, descrevendo o campo de pesquisa, caracterizando os pesquisados, refletindo sobre como o ambiente e o comportamento dos pesquisados influenciam uns aos outros.

A relação do fazer científico com os resultados é um assunto vasto, discutido em seus pormenores pela Filosofia da Ciência, e que pretendo retomar periodicamente nos meus texto. Segue abaixo uma pequena lista básica de obras recomendadas àqueles que querem saber mais a respeito.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA


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