Afinal, falar de Olavo de Carvalho importa?


O estranho caso do homem que quis ser filósofo, mas abandonou a Filosofia para se tornar "guru", não tem sido tratado com a devida atenção. 


Nos últimos anos, Olavo de Carvalho (1947-2022) fez muito barulho. Atraiu e fidelizou as atenções de muitos, sacudiu o cenário político brasileiro com a ajuda das mídias digitais. Abalou consideravelmente a zona de conforto de cientistas e filósofos.

Problema sério, porque às academias brasileiras, que ele atacou tão diretamente e tantas vezes, há décadas cabe uma escolha: ignorá-lo, ou responder a ele?

Ora, empregar tempo e esforço para responder a Olavo se justifica? Entre os acadêmicos a maior parte acredita que dar atenção a Olavo e sua "balbúrdia" significa tempo e energias mal empregados. Afinal, há tanto a ler, a aprender, evoluir, crescer, que não faz sentido parar a própria marcha e desviar o rumo planejado para responder diretamente às afrontas de quem nem é "do meio", não cumpriu as exigências acadêmicas, não seguiu os rigores metodológicos adotados pelos pares da filosofia e das ciências, não se credenciou.

Pensar assim parece mera arrogância desses doutores e doutoras, não? Quanta soberba! Porém, muitas vezes, não se trata disso. É que deixar a própria linha de pesquisa para se lançar nos atalhos impostos por um "barulhento", significa colocar-se em risco de ter que responder pelas consequências que o afastamento fatalmente proporcionará! Entenda-se: o ambiente de produção acadêmica é competitivo. Quem usa mal o tempo fica para trás... Embora o senso comum pregue que "nunca é tarde", o tempo não é recuperável de forma alguma.

No entanto, a questão que se impôs nos últimos anos não é mais "responder ou não responder a Olavo de Carvalho", e sim "responder ou não responder a uma demanda da sociedade brasileira"... Olavo soube criar uma crise cultural profunda e impor-se como demanda da sociedade! Insisto: É a ela, à sociedade, que se deve responder! Ou, pelo menos, aos sinceramente interessados em filosofia e cultura.

O que se encontra na base da crise cultural estabelecida é um fator decisivo: ao não se responde à sociedade, se está contribuindo para bloquear o processo de esclarecimento filosófico no Brasil, cujo progresso, em última instância, é a missão de vida de quem, algum dia, se propôs a ser um(a) filósofo(a) sério(a) no Brasil.

Nos primeiros anos de estudos acadêmicos em Filosofia é comum deparar-se com sonhadores ingênuos. O estudante iniciante é propenso aos sonhos de grandeza. Imagina-se como o descobridor de grandes verdades, respeitado por toda a comunidade filosófica universal, erguido entre os grandes de todos os tempos! Entre suas descobertas certamente estará a resposta definitiva para as dúvidas quanto à existência de Deus. Ele contribuirá, decisivamente, para transformar o mundo em um lugar melhor e fazer com que a Filosofia se instale entre o povo... Em sua ingenuidade, o neófito sonha reviver o ideal da democracia grega, das praças públicas onde as ideias filosóficas eram discutidas por homens livres dedicados ao progresso da razão!

A realidade, porém é outra. Com a aquisição de aprendizados e experiências surge a irrecusável necessidade de aderir a compromissos, burocracia e, prazos, acompanhada da percepção de que a Filosofia traz novas perguntas (muitas novas perguntas!), e jamais respostas definitivas... Filosofar é colocar-se em busca... De qualquer forma, acreditar que a ausência de resposta ao “guru do presidente” se justifica pela magnitude atingida por seu pensamento (conforme ele mesmo não deixava de afirmar) não corresponde à verdade. 

Por baixo de tanta gritaria e verborragia meramente retórica, o que há para ser respondido, afinal? Olavo de Carvalho realmente foi um filósofo? Escreveu uma Filosofia? O que diz a tal Filosofia (com maiúscula!) que Olavo afirmava ter escrito? A esta altura, se Olavo foi um filósofo ou não é irrelevante... Certamente ele foi um escritor que produziu um volume de textos considerável! Ao que tudo indica, textos lidos (quando lidos) mais frequentemente por uma parte da população brasileira que conta com pouco ou nenhum preparo metodológico para analisar obras supostamente filosóficas, é verdade. Mas, esse não é o cerne da questão ―, e sim que se está diante do sonho ancestral de construção de uma Democracia em que a livre e honesta discussão de ideias tenha espaço garantido e seguro nas "praças públicas"... Gostemos ou não, Olavo deu uma contribuição que não deve ser desprezada: chamou a atenção para a importâncias dos livros e da leitura, e de não ser um "idiota"... Algo para se respeitar, enfim!