Livro: O Mundo Assombrado Pelos Demônios, de Carl Sagan


Em "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", o astrônomo e astrofísico Carl Sagan expressa sua preocupação com o avanço do obscurantismo promovido pelos meios de comunicação em sociedades tecnologicamente avançadas, e convida seus leitores a permanecerem alertas. 

Meu primeiro contato com a obra de Carl Sagan (1934-1996) aconteceu por volta dos meus quinze anos. Na época, eu gostava de visitar a biblioteca municipal de São Caetano, que ficava no centro, encima do terminal rodoviário, e dispunha de uma bela vista dos arredores. Descobrir Cosmos foi um deleite! Com a descoberta veio a vontade de ler tudo o que Sagan escrevia e, ainda hoje, é algo que recomendo.
 

Neste O Mundo Assombrado Pelos Demônios, o autor mostra sua preocupação com o distanciamento dos conhecimentos científicos promovido pelos meios de comunicação, que privilegiam a falsa ciência e as superstições. Ele argumenta longamente a favor da divulgação científica como forma de afastar a alienação, a decadência da capacidade racional e os regimes políticos ditatoriais, preservando a democracia e promovendo a melhoria das condições de vida das sociedades emergentes.

Sagan nos conta que em 1939, ao visitar a Feira Mundial, sentiu-se deslumbrado pela ciência. Sentiu que ela acenava com a possibilidade de explorar novos mundos e de fazer compreender o funcionamento de todas as coisas. Ao apaixonar-se por ela, o desejo de divulgá-la ao maior número possível de pessoas lhe pareceu um desdobramento natural.

Notou que embora frequentemente convencidas de que a ciência é um interesse que não lhes cabe, as crianças, costumam demonstrar grande satisfação no contato com ela, que lhes aguça a curiosidade e lhes explica o mundo. Embora de origem humilde, Sagan conta que nunca foi desencorajado pelos pais a estudar e, assim, conseguiu dedicar-se ao conhecimento científico. Estudou Física na Universidade de Chicago e tornou-se Doutor em Astronomia e Astrofísica e tornou-se um professor e divulgador dedicado do conhecimento científico, com centenas de artigos publicados e dezenas de livros. 

Para Sagan - e conforme podemos constatar ainda nos dias que correm -, em sociedades de serviços tecnologicamente desenvolvidas, os meios de comunicação tendem a agir de forma a contribuir para a decadência da capacidade criativa e a alienação, produzindo conteúdo de baixo nível intelectual que privilegiam a ignorância e a pseudociência. Tal situação já podia ser verificada na América do Norte, na primeira metade dos anos 90 (época em que o livro foi escrito), com a programação dos mais influentes meios de comunicação, contribuindo para que os indivíduos se tornassem incapazes de diferenciar o que dá prazer do que é verdadeiro.

A ciência, insiste Sagan, é uma construção histórica que integra métodos de investigação aplicados à busca pelo conhecimento. Embora não seja perfeita e, quando usada indevidamente, pode mesmo ser perigosa, a ciência é o melhor instrumento com que a humanidade pode contar. Ela convida a acolher os fatos, a questionar o conhecimento estabelecido, a buscar, incessantemente, respostas cada vez melhores para os muitos problemas que a humanidade deseja superar. A ciência acolhe em si mecanismos de correção. Exige a observação, a experimentação, a testagem exaustiva das hipóteses, a comprovação de teorias, principalmente aquelas desenvolvidas por autoridades. Assim, coloca em dúvida seus próprios pressupostos e conclusões, mantendo-se sempre ativa contra todas as formas de obscurantismo.

A história ensina que por meio da ciência se pode esperar um aperfeiçoamento sucessivo de nossa compreensão, um aprendizado constante por meio de acertos e erros, pois trata-se, de um modo de questionar a natureza que leva a descobrir explicações temporárias, possibilitando responder certos problemas, mas nunca atingir um conhecimento absoluto, definitivo. Ao afastar-se deste meio seguro de investigação, os indivíduos afastam-se, também, da capacidade de cuidar do próprio futuro e de exercer direitos civis.

Quando tomada por arrogante por seguimentos religiosos, a ciência defende-se demonstrando sua humildade e propensão a investigar a si mesma. Ao contribuir para que os homens reconheçam seu lugar no Cosmos, a complexidade, a beleza e o sublime da vida, mostra sua tendência à espiritualidade.

Quando manipulada por políticos e industriais, a ciência pode desenvolver armas de destruição em massa, além de causar graves impactos ambientais. Por isso, o conhecimento científico não deve ficar restrito a uns poucos. Pelo contrário, deve ser transmitido ao maior número possível de cidadãos.

A ciência necessita do intercâmbio de ideias. Seus valores são contrários ao sigilo, encorajam o desenvolvimento de ideias não convencionais e os debates rigorosos. Assim como a própria democracia, a ciência exigem argumentação coerente, raciocínio rigoroso, altos padrões de evidência e honestidade.


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SAGAN, Carl. O Mundo Assombrado Por Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996