Do Encontro Entre Negacionismo e Alienação


O fogo que mata e as cinzas que respiramos 
são o resultado de um projeto sistemático de alienação.

A fumaça de um país em chamas chegou ao meu canto urbano do mundo. Aqui, na fronteira da zona leste de São Paulo com Santo André, os dias têm nascido em meio a uma névoa cinzenta e um ar "arenoso". Os dias 12, 13 e 14 foram os piores! Estamos respirando as cinzas dos mortos... Vemos alguns deles pela TV, os restos de corpinhos carbonizados de animais pelos quais não fomos capazes de zelar… Os inocentes e indefesos morrem primeiro. Que Deus nos perdoe por não termos sido dignos de cuidar de suas criações!

Como chegamos a esta situação? É preciso considerar toda a história do Brasil e, antes dela a história da cultura Europeia para chegar a uma resposta ampla. Nenhum evento é isolado, assim como nenhuma vida se sustenta fora de uma rede de relações. No Brasil, no momento, estamos em meio às eleições municipais que, para bons observadores, é exemplo emblemático da sociedade que nos tornamos.

O nome Pablo Marçal surgiu para mim muito recentemente, como candidato a prefeito de São Paulo. Notei um personagem, que logo à primeira vista, me lembrou o Coringa interpretado por Heath Ledger. Um sujeito inegavelmente carismático, envolvente, em pleno controle de suas faculdades mentais aplicadas a atingir objetivos pessoais. O Marçal que aparece em entrevistas e debates é um personagem talhado sob medidas! Mas, as medidas é que são curiosas... Trata-se de alguém disposto a atacar os valores mais caros à sensibilidade humana, com a desculpa de precisar “chamar a atenção”. Dizer levianamente que uma filha teria gerado as condições que levaram à morte do pai, ou que um pai de família é um viciado em drogas, para ele não tem nenhum problema. E se criticado, ele aponta erros de outros, não se atendo aos próprios. É um modo de pregar a lógica do “um erro justifica outros”, pois agora “vale tudo” e “salve-se quem puder”.

Ora, o que faz Marçal acreditar que o eleitorado brasileiro elegeria tal personagem? O próprio ator responde: ele acredita que o eleitorado gosta de "idiotices"… Seja como for, certo ou errado, na ocasião em que se explicou, Marçal liderava as pesquisas por intenção de votos e contava com um exército de ferrenhos defensores atuando nas redes sociais. Ao que parece, ao menos em parte, ele conhece muito bem o seu eleitor-alvo, ou aquele público que, a exemplo dos bolsonaristas, adota ídolos e os adora incondicionalmente.

A política sempre foi o campo do discurso aplicado ao convencimento. “O Príncipe” de Maquiavel obra descrita e publicada no século XVI, explicita a política como atividade estratégica de persuasão para conquista e manutenção de poder. Porém, normalmente, a prática de convencimento é disfarçada, ocultada por boas intenções declaradas. As “boas intenções” são a alma da persuasão. Elas não só convencem como promovem a reunião do rebanho.

Nos últimos anos, a Internet deu forças a um novo fenômeno: o político especializado em negar os fatos e criar realidades paralelas à força de fake news, assim criando e arrebanhando simpatizantes. Novo fenômeno? Bem, desta feita, em versão informatizada... Trata-se de negar, ao ritmo dos fluxos digitais acelerados por robôs, não só a verdade dos fatos, mas, também, qualquer boa intenção real de adversários, enquanto se disfarça as próprias más intenções com o uso de discursos falaciosos.

Entendo “más intenções” como aquelas que destroem vidas e biomas inteiros para viabilizar processos de exploração e espoliação de recursos naturais. O campo político comporta táticas sofisticadas de roubo e morte! Táticas da mais alta sofisticação, pois usam todo o conhecimento disponível para destruir, aos poucos, o autocontrole e a capacidade de cognição dos opositores em potencial, à medida em que oculta o mal e o pratica com todas as suas perversões.

Sem dúvida, há cidadãos que não diferenciam ficção de realidade. Seja porque foram impedidos de desenvolver suas capacidades mentais ou porque as tiveram enfraquecidas, minimizadas, no processo sistematizado de idiotização. Assim, há eleitores que vivem em realidades paralelas, mostrando-se incapazes de identificar e analisar as próprias faltas, ou a verdade da mentira, e ou as consequências de cada escolha. O duvidar, questionar, questionar-se e a atividade de pesquisa independente não lhes passam pela cabeça! É um cenário mais do que preocupante, é assustador, porque além da perda de capacidades – que é perda tanto a nível individual quanto coletivo – , como bons alienados da realidade, esses cidadãos desrespeitam as instituições, ignoram instrumentos constitucionais e legais, colocando a segurança nacional em risco, literalmente colocam fogo no país!

Em "Você Percebe Que Estão Te Matando?", Eliane Brum fala sobre a urgência da crise climática e das queimadas que estão destruído o pantanal, a amazônia, a mata atlântica, o cerrado, com sua fauna e flora. Segundo ela, tal cenário é favorecido pelo negacionismo propagado pelos políticos de extrema direita e por seus apoiadores grileiro, garimpeiros e agronegócio. Faltou dizer que negacionistas são apenas os líderes. O rebanho segue seus ídolos como que hipnotizado pelo encanto que deles emana! Faça perguntas para um membro do rebanho e note que não há respostas fundamentadas, fora do binarismo, da truculência "lacradora" ou do “raciocínio circular”.

Tanto os políticos quanto os seus aliados (os donos do poder econômico) se beneficiam desse transe hipnótico que eles mesmo agem para disseminar. Não é novidade que também bilionários são elegíveis à posição de parceiros dos políticos e ídolos do povo. Há quem acredite que bilionários se preocupam com a “liberdade de expressão” do povo humilde! Eles não a defende, eles a utiliza estrategicamente, como utilizam os próprios políticos eleitos! Da “liberdade de expressão” irresponsável depende o livre fluxo do encantamento hipnótico. São palavras da Eliane Brum:
“Ao contrário do cinismo que imperava entre seus antecessores do século 20, que sabiam exatamente quem eram e o que faziam, a desconexão garantida pela internet produziu essa nova estirpe liderada por Musk: eles – ou pelo menos alguns deles – acreditam mesmo que são heróis, veem o mundo como um grande game, e, como nos jogos, são eles que salvam o dia e a Terra dos vilões. Nós, a maior parte da humanidade, para eles somos apenas gado humano – não entendemos nada, nem estamos à altura de sua genialidade.”
Na sociedade que nos tornamos emergem tipos e personagens. “Eles” versus "os vilões”, e o gado humano que é massa de manobra no jogo. Esse quadro é o produto da desconexão, do desligamento, do distanciamento entre real e imaginário. Na fronteira, no espaço vazio onde há suspensão do real a imaginação cria fantasias. Mal compreendidas, as fantasias moldam o real pela ação humana. A “nova estirpe” criada por imaginações ególatras age no mundo, como em um jogo de guerra em que o alvejado é imediatamente descartado e esquecido. Nada importa, senão vitórias vazias que nutrem o poder.

Para negacionistas e alienados, que o mundo mergulhe na guerra de todos contra todos. Eles sequer consideram que para que seja possível um retorno ao estado de natureza é necessário que, pelo menos, ainda reste a natureza, que eles atacam. Há aqueles que acreditam que haverá tempo para mudar-se para Marte (que também é natureza); outros seguem em suas vidinhas cotidianas, como se para eles tudo fosse dar certo no final, pois eles pertencem ao time dos melhores! Não há time, há gado.

Há quem diga que a esquerda não entende o pobre… Eu digo que aqueles que assim pensam se esquecem de que um ser vivo não sobrevive mais do que poucos segundos sem respirar, e ou que o planeta não suportaria toda uma população vivendo no nível de vida de classe média alta, com seu consumismo desnecessário e ostentatório. Mas, os bilionários e a classe media alta (seus serviçais) sabem disso e não têm a elevação do nível de vida dos pobres como um de seus objetivos.

Certamente há muitos profissionais estudando o fascínio exercido pelos ídolos informatizados – filósofos, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, historiadores, comunicólogos, etc. No futuro, se sobrevivermos, não faltarão relatos e estudos sobre estes dias nefastos. Em síntese, o que já se sabe é que técnicas de Comunicação Social são usadas com maestria por setores de direita política, que saiu na frente no uso das ferramentas de internet e ainda hoje domina as redes. O convencimento ou persuasão se beneficia dos estados emocionais fragilizados, medos e carências afetivas, largamente manipulados por meio de fake news que circulam em ritmo acelerado, impulsionadas por bots. Resultado: deficiência cognitiva... Há, e não são poucos, os que não compreendem a interdependência entre liberdade e responsabilidade em um Estado de Direito, assim como não percebem diferenças entre “defesa de liberdade” e “manipulação” que visa a conquista de condições propícias para a exploração das riquezas de um país. Parte do eleitorado brasileiro faltou às aulas de História e foi sistematicamente infantilizado. Mas é importante, também, ter a humildade de admitir que a educação em ciências humanas falhou em evitar o caos… E, assim, chegamos na atual situação... Estamos respirando as cinzas dos mortos.

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Imagem

Fonte: https://images.app.goo.gl/2tqoiLuYByS6ZHcs6


Indicados

Pablo Marçal diz que age como 'idiota' por causa da mentalidade dos eleitores: 'Chamar atenção'
https://www.youtube.com/watch?v=Cj-3_LjjYAw

Marçal responsabiliza família de Tabata por morte de pai: 'Se ela estava no Brasil, é pior ainda'
https://www.youtube.com/watch?v=13bXMzX1w18

Eliane Brum. Você Percebe Que Estão te Matando?
https://sumauma.com/voce-percebe-que-estao-te-matando/