O Uso da Razão na Administração Capitalista

- As Fábricas Químicas da Basf em Ludwigshafen (1881), de Robert Friedrick Stieler (1847-1908) -

Quanto se menciona as influências negativas do sistema capitalista e do empresariado sobre a sociedade e seus membros, poucas vezes fica claro como elas acontecem. Para melhor compreender essa discussão é necessário refletir sobre os efeitos dos métodos e das técnicas de gestão, como elas condicionam as decisões no dia a dia e mantêm tudo e todos presos a modos de pensar e de agir que dificultam a inovação.

São Paulo, 18 de Março de 2022.

O século XIX, que serviu de contexto à crítica da sociedade industrial, também ficou marcado pelas primeiras tentativas de sistematização das atividades produtivas. A industrialização, então em seus primórdios, passava por um momento de crescimento desordenado e exigia a substituição da improvisação por métodos que levassem ao aumento da capacidade produtiva e à manutenção do melhor rendimento possível dos recursos empregados. As teorias de Taylor e de Fayol surgiram como resposta.

- Frederick Winslow Taylor -

A Teoria da Administração Científica, de Frederick Winslow Taylor (1856-1915), privilegia a racionalização do trabalho em nível organizacional. Apresentada em 1911, ela foi desenvolvida a partir de observações empíricas e análise do desempenho dos funcionários, considerando os movimentos necessários às atividades produtivas, o tempo de execução das tarefas, a possibilidade de fragmentação das atividades, a especialização, o controle e os métodos. De acordo com Taylor, bom operário é aquele que cumpre ordens e seu melhor desempenho pode ser obtido através de salários e treinamento. Assim, a teoria recomenda uma forma de adestramento por recompensas e ignora os aspectos psicológicos e emocionais. Taylor foi um engenheiro mecânico estadunidense e seus pontos de vistas ficaram restritos à sua própria formação.


Jules Henri Fayol  -

Em 1916 o francês Jules Henri Fayol (1841-1925), também com formação em engenharia, apresentou sua Teoria Clássica da Administração, que defende a coordenação conjunta de todas as várias funções de uma empresa, tendo em vista os princípios gerais da organização formal e da Administração, bem como as atividades a serem executadas pelos administradores. Ganha importância, então a divisão do trabalho administrativo, o emprego da máxima autoridade, a rígida a disciplina, a completa subordinação dos interesses individuais aos objetivos empresariais, a estabilidade dos funcionários, iniciativas e espírito de trabalho em equipe. Outros princípios são a centralização, a unidade de comando e da direção, o incentivo aos trabalhadores por meio da remuneração.

Após as teorias de Taylor e de Fayol, ao longo de todo o século XX surgiram outras, destacando-se entre as principais:
Teoria das Relações Humanas, de 1932, do psicólogo austríaco Elton Mayo (1880-1949), que reconhece a importância da satisfação dos funcionários e procura incentivar as atividades grupais extra-trabalho como forma de integração. Destaca o papel da comunicação, da participação e da liderança na obtenção de maior produtividade.
– Teoria Neoclássica, de 1954 - desenvolvida pelos administradores Peter Drucker (1909-2005), Harold Koontz (1909-1984) e Cyril O’Donnel (1900-1976) –, que reafirma os postulados clássicos e considera que administrar implica mostrar o caminho a ser seguido em direção aos objetivos. Define as funções básicas do administrador (planejar, organizar, dirigir e controlar) e enfatiza a necessidade de sua atuação junto ao setor de recursos humanos.
Teoria do Comportamento Organizacional, de 1957, o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), que reconhece a importância de se considerar as motivações humanas e de buscar ajustar o estilo de liderança ao comportamento dos trabalhadores.
Teoria do Desenvolvimento Organizacional, de 1962, do educador estadunidense Leland Bradford (1905-1981), que enfatiza a relação entre desenvolvimento organizacional e gestão de pessoas.
 Controle Total de Qualidade, que começa a se desenvolver nos anos 50 ganha fôlego nos anos 80 e 90  desenvolvida com a contribuição do estatístico William Deming (1900-1993), do consultor de negócios Joseph Juran (1904-2008), do engenheiro e estatístico japonês Genichi Taguchi (1924-2012) e do engenheiro japonês Kaoru Ishikawa (1915-1989). Prega que o único desempenho padrão aceitável é a qualidade absoluta de defeito zero, a qualidade total a ser atingida e mantida por um conjunto de ações, envolvendo planejamento estratégico, monitoramento, medição, controle e replanejamento.

Nota-se, portanto que a administração da indústria e dos serviços associados acontece por meio da aplicação da razão à elaboração de métodos que de início molda os movimentos físicos do trabalhadores à melhor produção; posteriormente, passa a investigar suas necessidades e motivações mais fundamentais com intuito de, também, moldá-las. Pouco a pouco é criado todo um arsenal de estratégias que abrangem todas as dimensões da organização, de sua estrutura física e dos recursos materiais e humanos necessários à produtividade e consequente aquisição de lucro que, no entanto, reserva ao trabalhador uma menor parte. Esse processo culmina com as técnicas empregados no Controle Total de Qualidade, quando se entende que mesmo os pensamentos e a capacidade criativa do trabalhador devem estar completamente canalizados para os interesses da empresa. 

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No Controle de Qualidade Total os modelos gerenciais são estruturados a partir do fator humano, pois entende-se que os funcionários são os principais agentes da garantia de qualidade. Os funcionários devem estar comprometidos com as metas e objetivos empresariais, seja desempenhando funções, seja, também, opinando para o desenvolvimento de métodos e procedimentos. Neste estágio, a própria noção filosófica de "vida boa" é suplantada pelo conceito de “qualidade de vida”, então ditado pela cultura em cada empresa.

Herbert Marcuse - 

Herbert Marcuse (1898-1979) identificou, e mesmo previu, o desenvolvimento desse estado de coisa em sua crítica à industrialização e à tecnologia, presente em sua obra O Homem Unidimensional: a ideologia da sociedade industrial. Marcuse argumenta que a sociedade industrial desenvolvida funciona como um sistema que determina, a priori, tanto o produto quanto as operações para sua manutenção e ampliação. 

No capitalismo industrial, as ações administrativas são pensadas para atingir fins e acabam por engolfar todas as dimensões da vida humana. Assim, ao mesmo tempo em que gera o desenvolvimento tecnológico, elevando o padrão de vida de uma parte da população, a sociedade industrial desenvolvida molda as aspirações individuais, de acordo com os interesses econômicos e políticos vigentes na sociedade; os meios de comunicação contribuem para a destruição do livre desenvolvimento das necessidades e faculdades humanas; a dominação, fazendo uso de aptidões intelectuais e técnicas, age por meio da tecnologia.

Facilmente se pode argumentar que sem esse sistema de controle a humanidade não contaria hoje com os recursos tecnológicos que estão disponíveis. Se tais recursos compensam a perda da autonomia dos indivíduos é uma questão de difícil avaliação e de consenso impossível. Fato é que, no atual estágio, é de se perguntar se o tipo de controle levado a cabo pela racionalidade instrumentalizada, continua a ser necessário e como poderia se transformar em outra coisa  em formas de libertação das subjetividades, de modo a liberar as energias vitais utilizada em rotinas de trabalho repetitivo e insatisfatório para atividades mais criativas que elevem a humanidade a um novo nível de desenvolvimento. 

Para Marcuse, críticas que tenham por objetivo analisar as condições e possibilidades de desenvolvimento social, com vistas a indicar alternativas aos modos de vida, não podem deixar de ignorar a abrangência e a profundidade da dominação capitalista. Sem desprezar o contexto geral de momento, é preciso comparar práticas específicas com alternativas denunciadas pelas tendências sociais. As possibilidades de transformação qualitativa devem estar ao alcance real de formação de instituições essencialmente diferentes, novas formas de pensar e de produzir para atingir novas formas de existência humana. Tal ideal dificilmente pode ser seguido sem abordagem multidisciplinar e esforços conjuntos. 



Para saber mais

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2020.

MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2017.

FAYOL, Jules Henri. Administração Industrial e Geral. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1990.

MARCUSE, Herbert. O Homem Unidimensional: a ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
 
TAYLOR, Friedrich Winslow. Princípios de Administração Científica. 9 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2019.