A Natureza Humana Contra a Teoria Crítica

Ao insistir no sistema capitalista como problema, a teoria crítica frankfurtiana perde de vista o que faz o sistema ser um problema.

O filósofos da Escola de Frankfurt ― sendo Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973), Walter Benjamin (1892-1940) e Herbert Marcuse (1898-1979) os mais conhecidos ―, nas primeiras décadas do século XX, desenvolveram uma filosofia da sociedade apoiada nas teorias de Immanuel Kant (a crítica da razão), Friedrich Hegel (o tempo histórico e a dialética), Karl Marx (o materialismo, as lutas de classe, o capitalismo seus fetiches) e Sigmund Freud (a psicanálise e o inconsciente). Detectaram a existência de uma crise cultural que envolvia a Alemanha e toda a civilização ocidental industrialmente avançada. Nos anos 30 e 40, às vésperas da ascensão nazista na Alemanha, concluíram que havia um bloqueio do processo de esclarecimento, levado a cabo pela ação dos burocratas (uma tecnocracia) e do uso feito por eles da “razão instrumental”, ou seja, do pensamento racional direcionado a atingir objetivos totalitários estatais e ou corporativos.

A divisão entre classes sociais é bem nítida tanto em Marx quanto no pensamento frankfurtiano. No entanto, na prática,  os papeis não são tão claros e bem distintos. Eles se confundem e confundem todo o processo revolucionário. Em seu Reforma ou Revolução?, de 1900, Rosa Luxemburgo (1871-1919) já registrava que em seus anos de trabalho, junto à social-democracia alemã, havia notado não ser incomum que um “líder de esquerda” desenvolvesse os mesmos procedimentos de um liberal, de um capitalista que tem e explora empregados, que almeja conquistar lucratividade excessiva egoisticamente, que age para ter acesso a privilégios e mantê-los em detrimento de outros. Já era comum demais e continua a acontecer hoje, como em qualquer outra época! No início do século XX, a ambição desencadeada por esse modo de viver custou a vida de Rosa Luxemburgo, e não só a dela.

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E quando isso acontece, o líder de esquerda “desviado” (ou "oportunista," como os denominou Rosa), que passa a pensar e a proceder na prática como um liberal, acusa quem o detecta de estar mentindo. Então, "os esquerdistas", entre eles não raro pretensos seguidores dos frankfurtianos, tendem a acusar quem acusa o líder “desviado” de ter interiorizado em si mesmo os princípios capitalistas e, por isso, estar contra a revolução. Assim, o “desviado” passa a ser "a pobre vítima de acusador injusto e traidor", enquanto o acusador passa a ser entendido como aquele que se uniu aos interesses do inimigo na tentativa de enfraquecer o processo revolucionário... É o bloqueio da crítica e do esclarecimento no interior dos movimentos de esquerda!

Pessoalmente, considero esses argumentos como anti-filosóficos, se não comodistas e covardes. Como nesse sentido me considero uma “acusadora” e me sinto desrespeitada, deixei de me sentir bem entre colegas teóricos críticos. Distanciamento da teoria crítica e aproximação de Nietzsche, com cuja filosofia me identifico mais, foram a minha resposta.

Enquanto os seguidores de Frankfurt entendem que a sociedade controlada o é por culpa do “sistema”, Nietzsche diria apenas o óbvio: é tudo muito humano demasiado humano! Assim, ele propõe um deslocamento de foco de estudos. O que é o humano em sua complexidade, afinal?

Ora, quem criou o “sistema”? Ao separar proletários de um lado, burguesia de outro, Marx não fez mais do que colocar em evidência uma configuração manifesta de forças em dado tempo histórico que, no entanto, despreza as nuances da totalidade do humano. A delimitação temporal das reflexões de Marx (final do feudalismo e início da formação da burguesia até o século XIX) acaba por limitar também o resultado de suas análises. Limitação que, muitas vezes, persiste no pensamento dos seguidores dos primeiros frankfurtianos, ignorando a recomendação de atualização e reatualização constante da teoria crítica feita por eles… “Atualizar” pode não significar apenas seguir adiante recontextualizando, mas também corrigir falhas, ampliar focos. A teoria crítica não é dogma inquestionável e nem os primeiros frankfurtianos pretendiam que assim fosse.!

No fim das contas, em toda e qualquer cultura, em algum nível, há percepção de falta, insuficiência, escassez, pobreza, miséria, assim como de suficiência, abundância e riqueza. A civilização ocidental, de origem europeia, não é pródiga na divisão equânime das riquezas. Há ou houve alguma civilização onde as elites tenham atingido o ideal nietzschiano da nobreza que “transborda benignidade”? Essa é uma questão que seria melhor respondida por antropólogos… Mas, corresponde à problemática mais importante: como superar a falha humana que nos impede de evoluir eticamente, nos atando ao estágio da decadência egoísta? Falha que está em nós e se reflete nas nossas criações, entre elas “o sistema capitalista” e, atualmente, seus sisteminhas digitais.

Ao contrário do que diz Ayn Rand (A Virtude do Egoísmo), o egoísta não é um tipo superior. Ele é um décadent, termo que Nietzsche adotou para designar aqueles que buscam se privar do conflito aniquilando o oponente.

Não tenho nenhuma pretensão de tentar invalidar a teoria crítica. De modo algum! O meu ponto é que ao insistir no sistema capitalista como problema se perde de vista o que faz o sistema ser um problema, a meu ver, a natureza humana (entendida como conjunto de características próprias da espécie ― e para além das divergências conceituais, que se estende ao longo da História da Filosofia). Mas, acredito na importância do legado dos fundadores da teoria crítica frankfurtiana, como princípios válidos de análise, para alcançar resultados que são perspectivas, portanto apenas parte de um todo. O legado é importante, sem dúvida, mas não é fonte de verdades únicas e absolutas. A teoria crítica também precisa ser alvo de críticas.